terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Assédio sexual nas relações trabalhistas


O assédio sexual pode ser visto como 
uma forma de violência psicológica contra a pessoa. 


Modernamente considera-se que a liberdade sexual não é atacada apenas mediante violência física, mas também mediante violência "psíquica". É uma forma mais sofisticada de desrespeito. Como uma das maneiras de ferir a liberdade do indivíduo, pode acontecer em quaisquer circunstâncias, mas a tendência é que aconteça em maior grau naquelas relações onde está presente uma forma de hierarquia, em que um indivíduo, por ter poder sobre o outro, constrange-o a adotar procedimento sexual que não adotaria fora dessas circunstâncias.


As relações de trabalho, portanto, são campo muito favorável para que ocorram casos de assédio sexual, por causa do alto grau de subordinação pelo qual são caracterizadas. Mas o contrário não pode ser descartado, como ensina Sandra Lia Simón:


“... é possível identificar-se o assédio de forma contrária: um indivíduo, exatamente por estar subordinado a outro, pode utilizar esta situação de "inferioridade" para colocar seu superior hierárquico em alguma situação constrangedora, contra a sua vontade. A inversão de papéis não descaracteriza o assédio.”


A doutrina registra, normalmente, no que se refere às relações trabalhistas, o assédio sexual como prática do homem contra a mulher, o que pode ser entendido como resultado de inúmeros fatores, entre os quais se destacam: as leis sobre a igualdade de oportunidades, os progressos do movimento feminista na política de países industrializados, as decisões de tribunais norte-americanos considerando o assédio sexual como comportamento proibido por violação à lei de direitos civis, entre outros.


A expressiva conotação do assédio masculino encontra, ainda, uma justificação, no próprio aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, ocorrido nas últimas décadas, o que provocou desconforto à maioria masculina que até então dominava esses espaços. 


Muitos homens passaram a constranger as mulheres, com intuito de forçá-las a abandonarem postos tradicionalmente de domínio masculino. Vista de outro prisma, esta situação levou algumas empresas a utilizarem a exigência contra as mulheres para mantê-las em funções conquistadas ou obter emprego.


Outra explicação para a forte presença do homem em tais constrangimentos pode ser vista pelo ângulo histórico. A violência, em regra, sempre foi mecanismo colocado à disposição dos homens, que desde os tempos mais remotos, tinham sob seu comando os exércitos e as armas, muito embora possam ser encontradas na História, mulheres que se revelaram grandes violadoras de direitos, famosas por sua violência e agressividade, principalmente rainhas e imperatrizes. No âmbito masculino, pode-se recordar alguns personagens famosos, como observa Aloysio Santos:


“... Átila (o huno, conhecido como "O flagelo de Deus"), Porcius Catão (que sempre falava no sendo romano e pregava a destruição de Cartago), Nero (o que incendiou Roma), Gengis Kan (o temível rei do Império Mongol) e, mais recentemente, Adolf Hitler (o nazista), Benito Mussolini (o fascista) e François Duvalier (cognominado "Papa Doc", que criou os odiados "tontons macoutes" do Haiti).”


(...) “A violência sexual é tão antiga quanto a presença do homem na face da terra. É evidente que isso não pode servir de justificativa para o comportamento atual; serve, contudo, para nos dar a dimensão exata do quão pouco evoluímos nesse particular, a despeito de se considerar esta a melhor fase evolutiva da criatura humana.”


Alguma mudança da situação da mulher no mercado de trabalho e nas relações profissionais com o homem apareceu com o surgimento da máquina, que possibilitou ao sexo feminino a presença em trabalhos que antes exigiam grande força física. Assim, o início da exploração industrial do trabalho da mulher é que vai impulsioná-la a dar seus primeiros passos em busca de reconhecimento da igualdade com o homem. Isto demonstra que a entrada da mulher no mercado antes reservado apenas aos homens não se deu por força do reconhecimento da capacidade e da igualdade entre os sexos, mas pela condição feminina de mão de obra mais dócil e barata, o que nos remete à velha conclusão de que é sempre o dinheiro, a "mola-mestra do mundo", que está por trás das grandes transformações sociais e jurídicas, na dedução de Rodolfo Pamplona Filho. O autor lembra, ainda, a importância da revolução feminista da segunda metade do século passado, quando surgiram as primeiras legislações ocidentais garantindo isonomia com o sexo oposto.


O assédio sexual tem sido objeto de preocupação também da Organização Internacional do Trabalho - OIT, cujo Departamento de Igualdade de Gênero chegou a produzir um documento intitulado O assédio sexual, segundo o Documento sobre Violência contra a Mulher, em que se colocam algumas das conseqüências da prática nas relações de trabalho:


“... viola o direito das trabalhadoras à segurança no trabalho e à igualdade de oportunidades, pode criar condições prejudiciais ao seu bem-estar físico e psicológico e interfere no ambiente de trabalho ao criar uma atmosfera que fragiliza e desmoraliza a mulher trabalhadora. Se ignorado, tem alto custo para as empresas em termos de diminuição de produtividade, de alto nível de faltas ao trabalho entre as mulheres afetadas, de reiteradas licenças médicas, de treinamento de novo pessoal e de "baixo astral". Pode, ainda, afetar a imagem pública da empresa e diminuir os lucros devido à possibilidade de ações judiciais já que acarreta custos legais.”


O assédio sexual pode se dar de várias formas nas relações de subordinação. Alice Monteiro de Barros ensina que pode haver assédio por intimidação e por chantagem.(59) O assédio por intimidação é aquele que surge com a importunação do sexo oposto, proveniente de incitações sexuais importunas, de uma solicitação sexual ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, que têm como finalidade prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho. 


Já o assédio por chantagem, é definido pela autora como a exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado, para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação de emprego.


A criminalização da figura do assédio sexual ainda não será o vencimento de todas as batalhas da luta que os trabalhadores enfrentam para ver seus direitos respeitados no campo material e moral. Uma outra forma de constrangimento nas relações de trabalho pode causar graves danos emocionais às suas vítimas, que é o assédio moral, já tipificado como crime na legislação francesa. Luiz Flávio Gomes, ensina que a diferença fundamental entre os dois tipos é a finalidade especial do agente, pois no assédio moral o assediador busca reduzir a condição do empregado, produzir o seu enquadramento, eliminar sua auto-determinação no trabalho ou degradação de suas condições pessoais no ambiente de trabalho. Essa prática, diz o autor, provoca conseqüências drásticas para a integridade física e psíquica do trabalhador, a sua transformação em um robô.


O doutrinador cita como exemplo o caso do insdustrial Maxime Bonett, que não permitia a suas operárias sorrir ou levantar a cabeça das máquinas de costura durante o turno de trabalho. É um caso de assédio moral, que podem provocar na vítima sintomas como a perda da vontade de sorrir, depressão, perda da auto-confiança, isolamento, entre outras conseqüências, podendo chegar até mesmo ao suicídio. É uma patologia que deve ser evitada a todo custo dentro das empresas, mesmo porque significa a destruição do empregado, observa Luiz Flávio Gomes, para quem toda relação de pode encerrar uma certa manipulação psicológica. Mas o que é inaceitável é o comportamento fascista dentro da empresa, que difunde o terror, a angústia e a eliminação da auto-estima. Há muito de torpeza e de terror no assédio moral.


Fragmento do texto de Maria Goretti Dal Bosco.